24 de jun. de 2010

23.06.2010 - Homenagem aos 102 anos da Imigração Japonesa


Nossas convidadas especiais foram a jornalista Marilia Kubota (à esquerda) www.jornalmemai.com.br e a empresária Lisete Tsuzaki (à direita) www.toplevelschool.com.br, de São José dos Pinhais.

Conversamos com elas sobre a herança da cultura japonesa no Brasil e histórias familiares dos imigrantes. Tivemos ainda, depoimentos gravados com Fernando Massaru Kojima (do Restaurante Kojima), Carla Nakashima (Café Kassai), com o estudante de engenharia, Miguel Magnere, e com a Marcia Satomi Cardoso Bonfim.

Cada um deles comentou sobre como a cultura japonesa influencia sua vida: para o Sr. Kojima, a valorização da educação, o incentivo aos estudos é o maior legado; para Carla Nakashima, a disciplina e a família são heranças importantes; para o Miguel, são três as influências marcantes - a cultura pop japonesa (mangá, anime), o seu jeito reservado de ser e a expectativa externa pela excelência que sofre por ter "cara de japonês" ser estudante de engenharia é mais difícil ainda com cara de japonês; e a Marcia Bonfim, que tem uma família multicultural por ser casada com afrodescendente contou que preserva a alimentação e os temperos japoneses em seu lar.

Descobrimos que Lisete Tsuzaki foi tradutora e trabalhou na produção do programa Imagens do Japão, na década de 80. Foi o programa mais importante da colônia japonesa na televisão. Contou para nós algumas histórias dessa época.

Marília Kubota trouxe o livro "Retratos Japoneses no Brasil - Literatura Mestiça", organizado por ela, de vários autores, que será lançado em São Paulo, na Casa Rosa, no dia 25 de junho de 2010. (www.micropolis.blogspot.com). Leu para nós alguns trechos divertidos e outros poéticos do livro.

Postamos aqui o conto A Pequena Leitora do Reader´s, de sua autoria que ela leu para nós no programa:

A PEQUENA LEITORA DO READER´S
Marilia Kubota

Noite clara de verão. Noriko e os irmãos caçam luzinhas verdes. Entre risadas e correria cantam: Vagalume tem-tem / Vem cá, vem cá/ Que eu te dou vintém! Noriko fecha a mão e a luz pisca entre os dedos. Depois de rachar lenha o dia todo, grandes poderes: sair à noite , correr, pular, gritar. Neeeeeetchan*, chamam os irmãos, vem, tem tem-tem! Netchan, a irmã mais velha, salta como cabrito no mato, o suor escorrendo da testa. Um e mais um e outro: um punhado de vagalumes dentro da garrafa. Idéia brilhante. Netchan, papai não proibiu você ler de noite?

Não pode, não pode ler de noite. Lampião perigoso, você esquece de apagar, papai alertou. Noriko não desiste, titio trouxe uma revista nova do Reader’s Digest. A luz verde pisca debaixo do cobertor. Papai não vê.

Todas as manhãs a família de Noriko acorda às quatro horas. O pai, Noburu, não gosta que a menina perca tempo com leituras. Pra quê?, censura, Mulher não precisa. Tanto trabalho na roça. Setsuko, a mãe de Noriko gosta de ler. Conheceu bibliotecas no Japão. Leu- Vitor Hugo em japonês. Pra quê?, pergunta o pai, botando dentro do forno a lenha que vira carvão. Naquele boqueirão da linha sorocabana Setsuko recebia pelo correio revistas do Japão. Puericultura, medicina natural, aprendia nas revistas o que era ensinado às mães japonesas na Terra do Imperador.

Noburu lamentava ao vê-la ler. Tanto trabalho em casa! Quando casou, Setsuko não sabia cuidar de casa e criança. Dizia que a família descendia de samurai. Setsuko aprendeu a cozinhar, lavar roupa e costurar no Brasil. Pra que ler? Setsuko escrevia diário, fazia haicai. Atrasava o serviço de casa e da roça, esquecia de cerzir os buracos das meias. Mulher burra!

Setsuko lia menos para não levar pancada do marido. Mas continuava lendo a Bíblia – convertera-se à Igreja Protestante, no Japão. Escrevia poucas notas no diário e haicais.

Noriko herdou o gosto da leitura. Delícia a revista do Reader’s Digest. O tio, que morava na vila, recebia a revista todos os meses. E trazia as edições atrasadas. Noriko lia e contava histórias aos irmãos. Nas montanhas mais altas do mundo vive um monstro pré-histórico chamado Pé-Grande. Aventureiros e pesquisadores tentam caçá-lo. Feio? Muito feio, peludo, assusta as aldeias geladas do Himalaia.

Escondida do pai Noriko lê todas as noites. Apaga o lampião! Debaixo do cobertor, como um ratinho roendo resto de comida jogada fora, ela lê. Apaga o lampião! Histórias tão bonitas, um pouco todas as noites. Não faz mal.

Uma noite Noriko esquece de apagar o lampião. Sonha com o monstro do Himalaia, horrível, avança sobre a aldeia, os camponeses fogem, a neve respinga no rosto e começa a arder como fogo. Fogo!, grita Noburu, apavorado com as chamas sobre Noriko. Joga rápido o cobertor em chamas longe dela.
Não apagou o lampião! , ele reclama, depois do susto. E descobre a revista do Reader’s chamuscada. Os irmãos caçoam, dizem que tanto lidar com carvão, Noriko quis virar tição.

Papai proibiu Noriko de ler. Ela não desistiu. Depois de rachar lenha o dia todo, vai caçar estrela verde. Tem-tem! Pisca o coração nas noites quentes, buscando nas luzinhas combustível mais ardente que o que queima no forno de papai.

Netchan: em japonês, expressão familiar para designar irmã mais velha, onessam.

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